Relatório Mundial das Cidades 2016: urbanização nos últimos 20 anos

Há algumas semanas, foi apresentado em Nova Iorque o Relatório Mundial das Cidades 2016, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, ONU-HABITAT.

Intitulado “Urbanização e Desenvolvimento: Futuros Emergentes”, este documento elabora uma análise global de como foi o processo de urbanização durante as últimas duas décadas, entre 1996 e 2016, que corresponde ao período entre cada Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, mais conhecido como HABITAT, que teve sua primeira edição em Vancouver, Canadá.

Em junho de 1996, em Istambul (Turquia), realizou-se o Habitat II, em em outubro deste ano será realizado o Habitat III em Quito (Equador).

Quito, Equador. Imagem © Flickr Usuário: Fiorent Figon. Licença CC BY-SA 2.0

Apenas a alguns meses antes deste evento global, o relatório buscar delimitar quais alinhamentos poderão incorporar a Nova Agenda Urbana, considerada um programa base de desenho e planejamento urbano, que será abordado na capital equatoriana como um guia que oriente o desenvolvimento das cidades durante as próximas décadas.

Por este motivo, o documento parte sobre a premissa que os atuais padrões de desenvolvimento urbano são muito diferentes de como eram há 20 anos atrás, assim como os problemas que concentram os centros urbanos e os desafios a serem enfrentados.

Corroborar este ponto é possível ao comparar as funções que caracterizam as cidades. Por exemplo, se há duas décadas atrás, apenas víamos as urbes como polos culturais, econômicos e sociais, hoje é necessário ter em conta que também reúnem as condições para a produção, a inovação e o comércio em uma escala global que termina por beneficiar aos países onde estão.

Esta situação é possível ser comprovada nas porcentagens de participação de certas cidades no Produto Interno Bruto (PIB) de seus países. Por exemplo, na área metropolitana de Manila vive 12% da população das Filipinas e a capital por si própria contribui com 47% do PIB. Na França, a realidade é similar devido ao fato de Paris habita 16% da população nacional que gera 27% do PIB.

As cidades se converteram em lugares atrativos para o emprego - formal e informal - onde há aumentado a produtividade e investimento em infraestrutura e serviços nos últimos 20 anos, sendo mais rápido o crescimento e a massificação das comunicações e das tecnologias de informação.

Não obstante, é necessário que a urbanização deve ir a favor do planejamento, caso contrário as cidades se tornam cenários potenciais para outros problemas como a contaminação atmosférica, o congestionamento viário e inclusive os conflitos civis, de acordo com o relatório.

Tóquio, Japão. Imagem © Flickr Usuário: Ikusuki. Licença CC BY 2.0

Neste sentido, o relatório destaca três cidades da Ásia –Hong Kong, Tóquio e Singapura – que apesar de não planejadas sob um esquema sustentável, estão buscando reverter os primeiros problemas mencionados através da mobilidade sustentável elevando os preços dos automóveis, incentivo à caminhadas e o uso da bicicleta e o transporte público.

Reconhece-se ainda que embora há 20 anos persistam os problemas relacionados aos assentamentos informais e o acesso a serviços básios, outros foram acentuados, como o fato de 70% das emissões globais de dióxido de carbono provenha de centros urbanos.

Estes inconvenientes atualmente convivem com os desafios vinculados à gestão urbana e economia, como o aumento da insegurança, as mudanças climáticas, a desigualdade - descrita como crescente - e a migração internacional.

Barcelona, Espanha. Imagem © Flickr Usuário: Roberto Saltori. Licença CC BY-NC 2.0

A habitação é outro ponto incluído no relatório onde afirma-se que nas últimas duas décadas não tenha recebido a importância que requer nas agendas de desenvolvimento, sendo estas nacionais e internacionais.

Quanto a isso afirma-se que cerca de 70% da superfície das cidades está representada pelas habitações, uma situação que determina a forma urbana e a densidade, que por sua vez proporciona emprego e contribui com o crescimento.

Ainda sim, a crítica de ONU-Habitat é sobre as políticas que são implementadas porque a partir de sua visão garantem o acesso às habitações por parte da classe média em terrenos formais que apenas este segmento pode custear, sendo que o desafio está nos setores pobres que apesar de reconhecer que tenham diminuído nas áreas urbanas desde 1990, os números estão aumentando paulatinamente.

Neste sentido, afirma que "o futuro sustentável das cidades e os benefícios da urbanização dependem em grande parte dos futuros abordagens sobre a habitação". 

A desigualdade é, segundo o relatório, um aspecto que foi acentuado nas duas últimas décadas. De fato, a ONU mede este indicador utilizando o coeficiente de Gini,  que quando é maior que 0,4 representa uma linha de alerta. América Latina e Caribe (0,5) e África (0,45) superam este coeficiente, enquanto que Ásia (0.4) assim como Leste Europeu e Ásia Central (0,35) estão abaixo desta margem.

Utilizando estes dados, o organismo internacional afirma que 75% das cidades mundiais possuem níveis mais altos de desigualdade de renda que há duas décadas atrás.

Mitigar a desigualdade é possível, em certo grau, através do planejamento urbano, uma tarefa catalogada como essencial no relatório para a conformação de cidades sustentáveis. Alcançar isso é um desafio viável para o organismo que requer certas tarefas, por exemplo, analisar os vínculos entre as áreas urbanas e rurais, avaliar a resiliência da cidade, isto é, a capacidade de se sobrepor à catástrofes, e ter fontes renováveis de energia, já que em 2030 estima-se que a demanda de energia e de água cresçam entre 40 e 50% respectivamente.

Os governos e a legislação urbana são tópicos que em relação à descentralização tem se mantido sem mudanças drásticas desde Habitat II, ou seja, desde 1996 segundo o relatório. Em parte, isso se explica porque as medidas adotadas pelos governos não se ajustam ao contexto local ou porque a burocracia de certas áreas urbanas é muito detalhada e inflexível, ocasionando que se acabem por omitir assuntos importantes.

Santiago, Chile. Imagem © Flickr Usuário: David Berkowitz. Licença CC BY 2.0

A ONU-Habitat propõem que se possa avançar na descentralização se for feita a transferência da gestão do governo central ao local, aliados à delegar o poder político através de recursos humanos e econômicos.

Até aqui numeramos em mais de uma oportunidade a importância do planejamento. Ainda sim, é sobre a reinvenção desta tarefa quando se aprofunda no documento, afirmando que depois de Habitat II ainda existem países que atualizaram seu conceito de planejamento, mas os que o fizeram focaram adequadamente como um "processo contínuo, sustentável e integrador". 

Os países considerados que ainda estão em dúvida são aqueles em desenvolvimento que possuem em comum, entre outros pontos, que não planejaram sob uma perspectiva de gênero, deixando as mulheres à margem de muitas decisões, e que os espaços públicos não se desenvolvam de uma maneira correta, para que cumpram com a acessibilidade no desenho e na gestão.

O motivo com que a organização explica porque ocorre isso é atribuído aos países em desenvolvimento possuem uma capacidade insuficiente de planejamento.

A economia e suas variações também são objeto de análise por parte da ONU-Habitat, sustentando que as megacidades e as regiões metropolitanas tem se beneficiado mais da globalização que as cidades secundárias com 80% do PIB.

No entanto, a rápida urbanização não necessariamente refletiu no aumento do emprego formal, inclusive tornando mais notórias as desigualdades econômicas e sociais em entornos urbanos.

Reverter estes pontos sob um enfoque econômico é o que o relatório argumenta que poderia ser conseguido em todos os níveis de governo se forem integradas desenvolvimento e planejamento vinculadas entre si, se fosse criado um sistema mais equitativo entre governos nacionais e as administrações de cidades enquanto regime fiscal, os direitos de uso do solo e as associações entre públicos e privados, e por último, se fosse criado um marco jurídico para a descentralização. 

Daca, Bangladesh. Imagem © Flickr Usuário: United Nations Photo. Licença CC BY-NC 2.0

Segundo as estimativas da organização internacional, as novas áreas urbanas e o consequente crescimento demográfico poderiam ocasionar que as emissões contaminantes sejam maiores que as geradas no último século em todo o mundo. Por sua vez, parte dos efeitos já estão presentes nas cidades menos densas, fazendo que tenham maiores custos em infraestrutura, piorando a mobilidade e perdendo terras agrícolas.

Ao ler os pontos incluído no Relatório Mundial de Cidades 2016 é possível destacar uma necessidade de mudanças que a Organização defende que possam ser alcançados se elaborada uma Nova Agenda Urbana que tenha como princípio fundamental o interesse público ao momento de definir as políticas e ações que as cidades comprometam, orientadas pelos Objetivos de Desenvolvimento Susntentável e garantir o respeito aos direitos humanos, o estado de direito, o desenvolvimento equitativo e a participação democrática, entre outros.

Em resumo o Novo Programa Urbano deve ser elaborado mirando o futuro que conjugue a urbanização e o desenvolvimento como instrumentos para alcançar o desenvolvimento sustentável.

É possível fazer o download do relatório aqui (disponível apenas em inglês).

Sobre este autor
Cita: Gaete, Constanza Martínez. "Relatório Mundial das Cidades 2016: urbanização nos últimos 20 anos" [Informe Mundial de las Ciudades 2016: cómo ha sido la urbanización en los últimos 20 años] 03 Ago 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Santiago Pedrotti, Gabriel) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/792557/relatorio-mundial-das-cidades-2016-urbanizacao-nos-ultimos-20-anos> ISSN 0719-8906

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